Em junho de 2025, a Receita Federal (RFB) publicou a Solução de Consulta n. 78. Nela, encontramos a resposta:
“Na hipótese de aquisição de imóvel rural, não é possível, por ausência de disposição legal, atribuir uma parcela do imposto sobre a transmissão “intervivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI) à terra nua e uma parcela às benfeitorias destinadas à atividade rural existentes na propriedade rural, de forma a considerar essa segunda parcela como despesa da atividade rural. “
A RFB precisou enfrentar dois questionamentos sobre como deveriam ser interpretadas as normas de dois de seus impostos em relação ao imposto municipal ITBI. As perguntas eram:
1 – Essa despesa com ITBI pode ser apropriada como despesa na exploração da atividade rural de forma proporcional ao valor das benfeitorias objeto de venda com a terra nua?
2 – Uma vez não declarada separadamente na escritura o valor das benfeitorias, poderíamos aplicar o cálculo determinado pela Receita Federal na pergunta 526 do Perguntas e respostas do Imposto de Renda da Pessoa Física 2022 em seus itens 1 ou 2, para chegarmos ao percentual inerente às benfeitorias em relação à operação total e aplicarmos esse percentual encontrado sobre o valor total do ITBI, e assim termos um montante proporcional às benfeitorias do valor possível para utilização como despesa na exploração da atividade rural sendo escriturado no livro caixa do produtor rural?
Vamos começar nossa análise pelo tema central: o cômputo do valor pago de ITBI como despesa da atividade rural, de forma proporcional ao custo das benfeitorias realizadas no imóvel rural que foi adquirido.
O questionamento foi construído com a seguinte base lógica: se no imposto de renda é possível computar o custo do ITBI para fins de apuração do ganho de capital na compra de imóvel, é possível aplicar esse mesmo entendimento para separar o que foi pago a título de ITBI como parte do custo da aquisição proporcionalmente ao valor da despesa rural.
Agora, veja. Para considerar o ITBI como custo da aquisição, o contribuinte se valeu do previsto no art. 137 do RIR/2018 e no art. 17 da IN n. 87/2001. Ali fica claro que ao vender um imóvel o “valor do imposto de transmissão pago pelo alienante na aquisição” compõe o custo da aquisição e isso diminuirá o valor da base de cálculo para fins de ganho de capital (nas transações de pessoas físicas). Ocorre que, para a Receita, esse imóvel citado nas duas normas é o imóvel urbano, mesmo que esse entendimento seja implícito. Isso porque a apuração de ganho capital do imóvel rural tem disciplina própria nesses regulamentos.
O art. 134, § 2º, do RIR/2018, dispõe que, na alienação de imóvel rural com benfeitorias, “será considerado apenas o valor correspondente à terra nua” para ganho de capital. O custo de aquisição da terra nua é, em regra, o valor informado no DIAT do ano de aquisição. Mas isso acontece quando o valor já vem descrito na escrituração. Caso não tenha especificado na escritura, a Receita Federal no Perguntas e Respostas – IRPF 2024, pergunta 535 responde como deve ser realizado o cálculo.
Para as benfeitorias e bens móveis, se o contribuinte já os deduziu como despesa da atividade rural, parte da venda será tributada como receita rural, proporcional a esse valor. O restante será considerado para o cálculo do ganho de capital. Caso não tenham sido deduzidos como despesa, podem ser considerados como custo de aquisição, desde que constem na ficha de Bens e Direitos ou, na ausência, haja laudo técnico de avaliação. Essa separação evita bitributação e respeita a natureza distinta das receitas rurais e dos ganhos patrimoniais.
Vou exemplificar:
- Se o vendedor já deduziu as benfeitorias e os bens móveis como despesa da atividade rural:
Suponha a seguinte venda de um imóvel rural:
* Valor de venda do imóvel rural (terra + benfeitorias + bens): R$ 800.000,00
* Custo da terra nua: R$ 400.000,00
* Custo das benfeitorias: R$ 200.000,00
* Custo dos bens móveis: R$ 100.000,00
* Total: R$ 700.000,00
Suponha agora que o contribuinte já deduziu como despesa da atividade rural:
- Benfeitorias: R$ 200.000,00
- Bens móveis: R$ 100.000,00
Total deduzido: R$ 300.000,00
Calcula-se o percentual:
R$ 300.000,00 (deduzido) ÷ R$ 700.000,00 (total do imóvel) = 42,86%
Aplica-se sobre o valor de alienação:
R$ 800.000,00 × 42,86% = R$ 342.880,00
Esse valor (R$ 342.880,00) será tributado como receita da atividade rural.
A diferença, R$ 800.000 – R$ 342.880 = R$ 457.120,00, será o valor da terra nua e entrará no cálculo do ganho de capital.
- Se o vendedor não deduziu como despesa da atividade rural:
Suponha a seguinte venda de um imóvel rural:
- Valor total da alienação (terra nua + benfeitorias + bens): R$ 800.000,00
- Valor de custo da terra nua: R$ 400.000,00
- Custo das benfeitorias (declarado ou com laudo): R$ 200.000,00
- Custo dos bens móveis (tratores, implementos): R$ 100.000,00
- Custo total do patrimônio: R$ 400.000 + R$ 200.000 + R$ 100.000 = R$ 700.000,00
Calcula-se o percentual:
- Benfeitorias: R$ 200.000 ÷ R$ 700.000 = 28,57%
- Bens móveis: R$ 100.000 ÷ R$ 700.000 = 14,29%
Aplica-se esse percentual ao valor de venda (R$ 800.000):
- Alienação atribuída às benfeitorias: 28,57% × R$ 800.000 = R$ 228.560,00
- Alienação atribuída aos bens móveis: 14,29% × R$ 800.000 = R$ 114.320,00
- O restante (R$ 457.120,00) corresponde à terra nua.
Apuração:
- O ganho de capital será calculado separadamente:
- Para os bens móveis: R$ 114.320 – R$ 100.000 = R$ 14.320
- Para as benfeitorias: R$ 228.560 – R$ 200.000 = R$ 28.560
- Para a terra nua: R$ 457.120 – R$ 400.000 = R$ 57.120
- Cada um desses ganhos será tributado conforme a tabela progressiva do ganho de capital.
Agora, suponha um terceiro cenário. Dessa vez, separaremos o ITBI, parte será da tributado como ganho de capital da venda de imóvel, e outra parte como parte da despesa da atividade rural.
- Valor total do imóvel vendido (sem discriminação): R$ 800.000
- Valor declarado da terra nua no DIAT: R$ 600.000
- ITBI pago sobre a operação: R$ 16.000
Passo 1: Calcular a relação percentual das benfeitorias
Se a terra nua vale R$ 600.000 e o imóvel vendido foi por R$ 800.000, então as benfeitorias representam:
(800.000 − 600.000) /800.000 = 200.000/800.000 = 25%
Passo 2: Aplicar esse percentual sobre o valor do ITBI
25% × R$16.000 = R$4.000
Resultado:
R$ 4.000 do ITBI poderão ser escriturados como despesa da atividade rural, no Livro Caixa, pois correspondem proporcionalmente às benfeitorias utilizadas na atividade.
A questão se dá em cima do terceiro e último cenário. Assim, é possível incluir o valor pago a título de ITBI como despesa da atividade rural? E se o valor das benfeitorias não foi discriminado na escritura, ainda assim, seria possível aplicar uma relação percentualcom base no valor declarado no ITR (DIAT) da terra nua e o valor total do imóvel vendido, ou usar um laudo técnico de avaliação, que permite separar o que é “terra nua” do que são “benfeitorias”, para fins de apuração de ganho de capital e, neste caso, para apropriação proporcional de custos acessórios, como o ITBI?
A receita respondeu que NÃO. Não é possível usar esse raciocínio porque:
- O imóvel que permite adicionar o ITBI como custo de aquisição é o imóvel urbano, essa previsão não se aplica ao imóvel rural porque ele tem um regramento próprio.
- Quem decide o cálculo do ITBI é a lei municipal (art. 156, II, CF/88 e CTN, art. 97, IV) Não é possível incluir ou não o valor das benfeitorias para atribuir um valor ao ITBI da terra nua, e outro das benfeitorias.
- O valor declarado pelo contribuinte para fins de ITBI recebe presunção de veracidade. Querendo, o município poderá questioná-lo em processo administrativo. No entanto, isso não serve para fracionar o ITBI entre terra nua e benfeitorias, mesmo que as benfeitorias existentes na propriedade destinada à atividade rural estivessem discriminadas no instrumento de alienação.
O tema não é simples, vale a pena a leitura da COSIT n. 78/2025.
